Lirismo Pungente

/terça-feira, 30 de novembro de 2010 / 10:45

Pensava muita coisa sozinha em casa à noite, especialmente ao olhar pela janela todos aqueles carros, luzes e encontros. Depois de um dia inteiro de pressa, telefonemas e caminhos, a vista da vida noturna a distraía e confortava, como se mostrasse a existência de algo além do tédio e silêncio do apartamento apertado – interrompido ora pelas buzinas de fora, ora pela TV esquecida no canto da sala.
Gosta de estar na companhia do seu gato, Whisky, como tudo ao seu redor: Poulain, Kubrick e Almodóvar na estante da sala, vistos e revistos freqüentemente. King, Lispector e Hilst sempre à mão, perto do sofá, na mesinha onde descansavam os pés durante a leitura.
Tons pastéis nas paredes, numa palidez sufocante quebrada por cópias de Picasso penduradas no pequeno corredor que avistava do sofá, por onde passava exausta da vida lá fora, à caminho da cama – enorme, fria e desarrumada, onde recarregava suas energias.
No quarto não havia nada que lembrasse os sorrisos, abraços e noites em claro de outrora. Tampouco haviam rastros dos cinzeiros dele no chão da sala, da escova de dentes azul perdida na pia do banheiro e dos litros d’água vazios deixados na geladeira. Nem mesmo as fotos com provas de amor, declarações escritas com batom no espelho da penteadeira e recados com frases como "eu te amo" escondidas propositalmente entre as roupas nos armários e presentinhos bobos na gaveta do criado mudo do lado direito da cama, onde ficam o despertador e o abajur.
Tudo fora destruído, queimado, rasgado, na tentativa frustrada de recomeço. Porém os rastros sobreviventes são os que ferem mais. A lembrança do cheiro daquele perfume de farmácia que contaminava todo o ambiente pálido e sem vida daquele pequeno apartamento, no centro da cidade. O canto desafinado que soava do banheiro, o som da respiração dele, tão próxima e tão sua, durante o silêncio daquelas longas madrugadas.
Existia vida naquele pequeno espaço de concreto, dividido por paredes pálidas decoradas por cópias coloridas de Picasso. Os clichês sempre presentes eram belos, cheios de fragrâncias, sons e preenchiam o ambiente. Agora é tudo vazio, a vida lá fora a distrai, na esperança de um telefonema, carta, SMS ou e-mail, quem sabe.

// 10:21

[...]
Não diz nada, você não diz nada. Apenas olha para mim, sorri. Quanto tempo dura? Faz pouco despencou uma estrela e fizemos, ao mesmo tempo e em silêncio, um pedido, dois pedidos. Pedi para saber tocá-lo. Você não me conta seus desejos. Sorri com os olhos, com a mesma boca que mais tarde, um dia, depois daqui, poderá me dizer: não. Há uma espécie de heroísmo então quando estendo o braço, alongo as mãos, abro os dedos e brota. Toco. Perto da minha a boca se entreabre lenta, úmida, cigarro, chiclete, conhaque, vermelha, os dentes se chocam, leve rufdo, as línguas se misturam. Naufrago em tua boca, esqueço, mastigo tua saliva, afundo. Escuridão e umidade, calor rijo do teu corpo contra a minha coxa, calor rijo do meu corpo contra a tua coxa. Amanhã não sei, não sabemos.

Caio Fernando Abreu - Anotações sobre um amor urbano

Versinho número um /sábado, 27 de novembro de 2010 / 07:17

Naquele dia, eu me senti como se o mundo estivesse acabando, como se os meus pés não pudessem mais tocar o chão, eu me entreguei por inteira àquele momento e não tive medo de voar com a possibilidade de nunca mais voltar porque o que você acabara de se tornar o meu céu.

/domingo, 21 de novembro de 2010 / 17:57

É querer muito pedir para acabar com as provas do crime após o mistério ter sido desvendado?

/terça-feira, 16 de novembro de 2010 / 16:40

Essa semana fiz uma das maiores descobertas da minha vida: Eu existo.

/quarta-feira, 10 de novembro de 2010 / 10:06

Sou apenas mais uma aprendiz da solidão natural a qual todos estamos submetidos, à procura de algo que eu possa chamar de abrigo, cercada de incoerentes por todos os lados.

O Homem do Ano // 09:43

Com o passar dos anos, os artifícios procurados nos trabalhadores foram passando por transformações consequentes da era moderna. O alvo procurado deixou de ser o trabalho braçal para se tornar o trabalho intelectual. Cada vez mais homens e mulheres são substituídos por máquinas e a estimativa de produção que outrora chegava a demorar doze horas, hoje tem o tempo reduzido pela metade.
É extremamente importante que se tenha o trabalho como forma digna de se adquirir capital, independente do campo de atuação. Vivemos em um mundo capitalista, em que o dinheiro se posiciona num rol dos principais valores de um indivíduo, passando, muitas vezes, por cima de preceitos básicos e de suma importância para o convívio social, como a educação e a ética.
Que possuir dinheiro é importante para a sobrevivência é indiscutível, só não podemos nos deixar corromper por aqueles que almejam possuir além do necessário. Também é importante reservar um tempo para o lazer e observar os pequenos detalhes que, por muitas vezes, passam despercebidos no nosso cotidiano corriqueiro.
Ao olharmos a nossa volta, não será difícil encontrar pessoas que trabalham constantemente, não tendo tempo para si mesmas; mas, se a duração no tempo de produção foi reduzida, por que isso ainda ocorre? Porque os homens criam as máquinas e as máquinas recriam o homem.

Fluxo /sábado, 6 de novembro de 2010 / 18:40

Acaba de escurecer. É que eu queria falar de tanta coisa ao mesmo tempo, do tudo, do nada. A noite é o período do dia onde as coisas acontecem, onde há uma sensação de liberdade. Durante o dia somos subordinados à rotina e as coisas que fazem a nossa vida ser coletiva, onde você não exerce controle sobre absolutamente nada. Chove torrencialmente lá fora e eu estou com a melhor companhia de um dia chuvoso: Um livro. Sabe quando você faz uma coisa com o intuito de se rebelar silenciosamente contra alguém? Quando você bagunça a casa de propósito, só porque sabe que alguém surtaria se visse aquilo e é para aquela pessoa que você faz isso? É uma forma de demonstrar amor. Só pra jogar na cara da pessoa sem ela saber? Sem ela nunca saber? Pro seu próprio prazer pessoal? É mais ou menos isso que eu faço quando quero que você sinta ciúme de mim propositalmente, não é por mal. É um tipo de estado em que a solidão te deixa nas situações e desejos mais inimagináveis. Estou com uma sensação estranha de conforto, não tem ninguém em casa, eu posso fazer qualquer coisa. Ouvir a música que eu quiser, beber o quanto eu quiser de café. Ou eu posso não fazer nada, posso deitar na cama, fechar os olhos e ouvir o barulho da chuva lá fora. Ping. Ping. Ping. Pin...

// 18:38

Da última vez que eu olhei para o relógio, faltavam cinco minutos para a meia-noite e, agora, já são… sei lá, preguiça de olhar de novo. Estou sendo devorada pelo sono, é até meio que despretensioso escrever isso, mas não é o meu despretensioso legal que fala de coisas legais, é o meu despretensioso pra mim, que não quer falar nada, nem quer chegar a lugar nenhum… A esperança de cor verde sempre esteve em algum canto da casa, só que parece que ela sumiu de repente.

Intangível // 05:07

Hoje tocou aquela música da CéU no rádio. Ela não fala dos teus olhos dengosos, não fala do teu sorriso largo e nem da cor da tua pele, mas me faz lembrar desses teus detalhes que me deixam assim, cheia de graça.